sábado, 22 de janeiro de 2011

Salgado

     Senti quando a onda bateu estridente sobre meu corpo. Levou. Foi arrastando-o violento e eu deixei-me seduzir por seu temperamento. Por um instante, não sentira mais o banco de areia sob meu organismo, a onda chegara e estava me levando... para onde? Não me interessei, deixei levar. De longe vi o sol a dançar no reflexo da água, mesmo com a visão turva fui capaz de enxergá-lo. E flutuando fui sentindo a correnteza a atritar sobre minha epiderme, percebendo que não estava mais na posição anterior, que suavemente capotava oscilando cima a baixo, uma gostosa sensação, apesar da falta de oxigênio já causar um certo incômodo. E controlado como marionete, foi-se o corpo submerso, sem receio do provável encontro com rochas grandes ou pedras capazes de, numa simples pancada, causar sérios danos. Mas o prazer vinha de fora pra dentro, estava bom enquanto arremessado ainda mais. Mas como toda onda, ao chegar no alcançado destino, o regresso veio em seguida. O corpo encontrou novamente a macia areia, e a onda o lá deixou. Mas não simplesmente isso, levou uma parte dele, uma importante fração de seu íntimo foi levada pela correnteza, sem qualquer manifestação do organismo ali estirado. Por dentro senti a perda, mas não fui capaz de reagir. E o que restou sobre  sedimentos mornos foi um incompleto ser, ofegante, úmido, doído... e ainda assim, capaz de esperar  uma nova onda o removê-lo.

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