terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Nostálgica inquietação

     Calma, mansa, indiferente, você deve está aí do outro lado. Aqui não está bem assim. Escorrem sangue das feridas não cicatrizadas, ouve-se gritos, altos, atormentadores, calados, tapados por uma quente e sufocante mão. Há raiva subindo pelo corpo inteiro, há enchurradas de interrogatórios, condenando a ré que não comparece ao julgamento. A ré está do outro lado. A minha caligrafia já não está tão agradável, está tudo tão atordoante que o lápis não escreve, só fere, com palavras de sua autoria. Mas bastou você chegar, bastou você sorrir e eu sentir seu perfume. Bastou você me abraçar e me dizer poucas palavras, que podem ser para você insigne, da boca pra fora. Bastou essas palavras se transformarem em declarações ardentes deste lado, que não enchergo mais feridas, que eu vejo um vasto campo, límpido, aconchegante, ao qual me deito e eternizo o momento. A ré está livre da condenação.

Puxão de tapete

Vida, traiçoeira! Me iludiu, me levou,
Seduziu-me de uma forma que, fechei os olhos.
Porque passo por isso? Indagou
O meu coração ao meu juízo,
Que sem saber a resposta, se fechou,
Arrumou sua trouxa, partiu.
Partiu, partindo meu coração, agora só.

E agora, restando só,
Meu coração e a pergunta,
Tagarela, irritante, inquieta,
Porque? Porque comigo?
Meu coração, arrependido,
De bater, agora está.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Sinestesicamente falando (?)


           A melhor forma de se manifestar a escrita é fazendo com que ela não seja um amontoado de palavras legíveis. Identificar palavras e interpretar textos é vago demais para o poder dela, e a leitura jamais deve se resumir à isso – Caso ler pra você é apenas isso, caro leitor, você não lê. O sentido de escrever e ler estão na potencialidade daquilo em seu interior, a leitura é completa quando quem lê se envolve com aquilo. É necessário primeiramente, que se enxerguem as palavras, e que elas saltem aos seus olhos, que elas chamem atenção no seu campo de visão. Mais do que enxergar letras, ouvi-las! Ouvir sua voz ora estridente, ora suave, ora inquietante, ora nem mesmo sei decifrar seu sentido. Sentir o gosto das palavras também é essencial. Sim, elas tem gosto, e são uma variedade! As leituras são pratos que jamais seremos capazes de saborear materialmente, mas trazem o mesmo prazer – ou maior – do que alimentos, e  por isso que é normal termos fome de leitura, é necessário ler como se fosse nossa primeira refeição. O olfato entra no próprio agrado das pessoas em sentir aquele odor de livro novo, aquele cheiro agradável, como se o livro tivesse saído do forno, da mesma forma que ao cheirarmos comida, nosso organismo logo pede para digeri-la. O ato de ler ou de exercitar a escrita também deve ser capaz de nos causar arrepios, sentirmos na flor da pele o produto das palavras, dos pés à cabeça. As palavras provocam os sentidos do nosso corpo, e o que sentimos elaboram palavras. A sinestesia é a lei da escrita, é a lei da leitura.